segunda-feira, 20 de abril de 2015

Dragões e Tulipas

Ela cavalgava por campos floridos. Seu corpo em consonância com os movimentos de sua montaria. Eram um. Nua, sentia o vento tocar seu corpo como um acolhedor beijo materno, lhe roubando um sorriso que estava mais do que feliz em dar. Os campos floridos por tulipas estendiam-se até onde o olhar permitia ver, pintando os leves montes de azul, roxo, amarelo, vermelho e laranja. Aqui e acolá, pequenos grupos brancos ou rosas surgiam para banharem-se ao Sol. De repente, e não mais que de repente, viu uma cerejeira nascer, crescer e tornar-se uma belíssima árvore, com pétalas rosadas dançando suavemente ao toque da brisa, convidando-a para desfrutar de sua sombra.
Desceu do cavalo, deixou-o partir e subiu na árvore, alojando-se entre galhos que, já não tão surpreendentemente, tinham o formato adequado para ela, e somente ela, deitar-se. Recostou sua cabeça num emaranhado de folhas e fluiu ao encontro de sua imaginação. Sonhou com um dragão cor de safira, imponente e esbelto, com movimentos jovens e descompromissados, voando pelo céu anil, cantarolando uma melodia de paz e tranquilidade. Sentiu-se chorando. Quando a primeira lágrima soltou seu queixo e tocou-lhe o seio, o dragão pousou, sem fazer som ou tremor, e caminhou com elegância singular ao seu encontro.
Chegou perto dela, tão perto que podia sentir seu hálito de fogo, e olhou-a com seus olhos répteis e milenares. Sem jamais dizerem uma palavra, conversaram por horas. Quando ela tocou suas escamas, acordou. Ainda estava deitada na árvore, que havia moldado-se para que não caísse.
Pulou ao chão e seu cabelo, agora vermelho, tampou-lhe um olho. Sorriu e caminhou até querer voar outra vez, pois sabia que era o dragão que sonhara.

Rumando

Indo e nunca chegando
Estando e nunca permanecendo
Na roda de samsara
Giramos como bonecos
Títeres
Que tiveram suas cordas soltas
Destino posto em suas mãos
Como bebês, engatinhamos,
Rumo ao escuro
Rumo ao desconhecido
Rumo ao conhecido
Rumo ao céu
Rumo às estrelas
Rumo.
Que jamais cheguemos
Para sempre rumemos
No doce, saborear
O suave navegar
Pelos mares do conhecimento

Pois o destino
É a viagem.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Uma história

Segurava o timão com força, com os pés plantados no chão do jeito seu velho pai lhe ensinara, enquanto a tempestade castigava os cascos de madeira, que estavam completamente encharcados. O vento fez com que fosse necessário recolherem as velas e estavam à mercê das ondas, que levantavam o navio num ângulo de cinquenta graus, e parecia que era o horizonte que estava girando ao seu redor. Alguns marujos já haviam caído na água, mas os que sobraram pareciam estar focados.
- Amarrem os braços nas cordas, cães sarnentos! - Gritou.
Já não tentava mais navegar, apenas controlava o navio o máximo possível, que era muito pouco, para não serem virados por uma onda. Tinha que encará-las de frente ou todos morreriam.
- Segurem! Essa é grande! - Alguém gritou, mas com o vento e a chuva era impossível identificar o rosto de alguém a dois metros de distância. Só sabia que o navegador rezava fervorosamente ao seu lado.
- Tomara que tu estejas rezando para o deus certo. - Disse, quando percebeu o tamanho da onda que se agigantava à sua frente. Teve a impressão de que o próprio mar estava trocando de posição e já não sabia se estava descendo ou subindo, se o mar era a onda ou a onda era o mar, e pensou: "se eu sair dessa, nunca mais bebo rum! E chega de prostitutas!". Gritou outra vez:
- Amarrem-se, malditos! Pelo amor de deus, amarrem-se!
O impacto não foi tão forte, porém a gravidade começou a mudar. De repente, seu corpo não era mais atraído para baixo, mas para trás, enquanto o navio subia naquele colosso. Quando os pés não tocavam mais o chão e seus únicos contados com o navio era as mãos no timão e a corda amarrada em seu braço esquerdo, chorou. Um relâmpago iluminou o rosto de seus marujos, e viu que também choravam. Mesmo com as faces molhadas pela chuva e vento, era fácil identificar um homem chorando. O pavor em seus olhos era nítido como a luz do Sol.
Quando chegaram ao topo da onda, olharam para o Capitão com medo quando ouviram-no gritar:
- Agora vem a parte difícil. Preparem-se! E que os inferno congelem, mas não caiam do navio!
A velocidade que o navio atingiu ao descer a onda quebrou o mastro principal na metade e era possível ver alguns pedaços de madeira se desprendendo do casco. As gotas de chuva parecia pesar quilos, e assolavam todo o seu corpo. Se fosse uma de suas primeiras viagens, certamente suas mãos já não aguentaria mais segurar o timão.
- FORÇA! - Gritou o capitão, momentos antes do fim da onda.
O impacto foi pior do que pensara. Foi arremessado com tanta força contra o timão que perdeu o ar e quase totalmente os sentidos. Já não segurava mais o timão. Sua única esperança era a corda em seu braço esquerdo, pois o navegador já havia sumido. Pelo jeito não era o deus certo.
Tentou se levantar, usando o timão como apoio até ficar de joelhos, e se sentiu grato. A maioria de seus homens ainda estavam ali, alguns inconscientes, presos apenas pelas cordas em seus braços. Sorriu, mas seu sorriso não durou muito tempo, pois um perigo maior se aproximava, o mesmo que havia subjugado seu pai, o maior pirata que havia existido, e agora era sua vez de encará-lo.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Um pensamento

Já dizia Aristóteles que "não há grandes mentes sem uma mistura de loucura" (tradução livre). A genialidade vem frequentemente ligada à loucura. Músicos, pintores, atores, cientistas: os melhores, sempre com pitadas, de níveis variados, de loucura. Mentes brilhantes. Traria tal brilho a loucura? Mas e o que é loucura?
Alguns rejeitam a loucura, outros a abraçam e, quando abraçam, percebem que não há loucura ali: apenas verdade. A verdade da momentaneidade da vida. Quem rejeita, prende. Limita. Por medo, não sai da caverna. Vive a vida olhando sombras, vultos do mundo real. Não entendem os loucos, nem seu amor. Sua mente não está aberta, seu olho está fechado.
O passado só existe em memórias, onde é feito um consenso sobre qual foi o passado. Mas o que aconteceu, realmente? Qual das milhares possibilidades é a verdadeira? No mesmo sentido, olhamos para o futuro. Algo que nunca veio e nunca será concreto, viverá nas probabilidades, assim como o passado e os elétrons. Quando o observarmos, no nosso movimento contínuo pelo tempo, ele se tornará algo porque há observador, mas, depois que passamos, o que aconteceu com o futuro que agora é passado? O cravamos no abstrato que é a vida? Como registrar algo no nada? E se, tudo aquilo que foi ontem pra você, foi uma simples probabilidade que já não existe mais? E se o futuro não existe? E se só o agora existe?

O agora é o momento mais importante da tua vida. Toda a tua vida se resume a este instante em que está lendo essas palavras e logo isso não importará mais, pois tu se moveu no tempo. Observe, pequeno gafanhoto, e absorve. Não duvide de tuas capacidades: só tu podes te impor limites.
Se só o agora existisse, o que você faria agora?